Quipá: uma história guardada na memória

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Ana Carla Nunes

O senhor Tonico relata lembranças da comunidade. Foto: Ana Carla Nunes

E já se aproximava do meio dia, o sol estava cada vez mais quente, o carro já nos esperava para voltarmos para o centro de Juazeiro. Aquela iria ser a última chance do dia que tínhamos para ter uma conversa com Seu Tonico, como é conhecido Antônio Cândido de Brito Filho de 59 anos.

O cheiro da comida chegava na sala, local onde sentamos para uma breve conversa, seus netos já prontos para ir para a escola, iam se juntando na porta do quarto para prestar atenção na conversa e analisar aqueles estranhos objetos que não estavam habituados, tais como: máquina fotográfica e gravador.

Enquanto alguns entrevistandos se amontoavam em um sofá, um outro se sentou na cadeira de balanço. O entrevistado estava curioso para saber sobre o que se tratava a visita, quais seriam as perguntas, já que muitas pessoas tinham falado que o procuramos durante toda manhã.

Tonico foi o último entrevistado do dia, e já tínhamos ido em sua casa anteriormente, assim como também perguntamos para seu compadre onde ele poderia estar. Como muitos moradores do Quipá, sua principal fonte de renda é a pesca e a agricultura, aproveitam também as terras da Ilha do Quipá para cultivar os alimentos.

Antes de conhecer o simpático Tonico, fizemos um passeio para apreciar melhor a localidade e as histórias que por ali circulam. A conversa começou de um modo simples e agradável, o senhor nos apresentou sua família e se mostrou disponível e interessado no que desejávamos saber sobre a história da comunidade quilombola. 

Sua família foi toda nascida e criada na localidade, seus pais Maria Joana da Silva e Antônio Cândido de Brito assim como seus avôs passaram a vida toda no lugarejo, viram e ouviram as histórias do surgimento, das religiões, das curiosidades e dos mais variados assuntos que circulavam por ali.

O trabalhador rural ainda relata um pouco sobre a história e comportamento de seus antepassados:

Os meus pais nasceram ai, os meus avós nasceram tudo aqui vizinho, tudo aqui na região mesmo, aqui na região mais de Juazeiro. E eles contavam que começaram aqui no Quipá, e que... e que não tinha ideia de procurar outras moradia lá fora. Ai ficaram aqui, começaram aqui, minha velha mãe morreu aqui com 93 anos ou 94, e meu velho pai morreu com uns 70 e pouco, mas foi tudo nascido e criado aí, então não tinha destino... não tinha destino pra lugar nenhum, conforme também já vinha pegando aquelas mesma tradição dos meus avós, que eram os pais de meus pais, tanto por parte de pai quanto por parte de mãe. (Entrevista dia 23 de maio de 2012, com o grupo de pesquisa)

Em sua casa, o morador fala sobre as tradições do antigo Quipá
Foto: Ana Carla Nunes

E as lembranças foram tomando conta daquele momento, o passado fez Tonico recordar de instantes de felicidades que demonstram o modo como era antes a religiosidade na comunidade.

A tradição que eles sempre frequentavam e eles tinham mais aqueles... como diversão era as festa de São Gonçalo que eles faziam promessa, o outro rezava aquelas novenas, rezavam as novas que tinha até aquele santo que até minha velha mãe mesmo tinha uma santa, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, ai tinha aquela tradição que rezava aquelas nove noite de novena, ai quando chegava na do último dia fazia essa festa, fazia o leilão, pra poder no último dia, ser uma festa também. E as outras tradição deles mais era a roda de São Gonçalo que fazia as promessas, prometia sentir qualquer coisa de achar que tinha alguma melhora ai eles faziam aquelas promessas pra São Gonçalo, depois tinha que pagar, porque quando morresse ia ficar devendo pro Santo, tinha que pagar do mesmo jeito. E as tradição deles era esse. Por esse lado, aqui conforme o compadre já deu alguma dica, tinha outras tradição também, mas que eu falar dos caboclo que minha mãe, a vea.. a vea minha vó, minha vó mesmo por parte de pai, foi pegada no mato, era índia, foi pegada... foi corrida atrás com o cachorro. Agora me procure em que ano que eu não sei lhe informa, e quem contava isso era a vea minha mãe, que ela sempre, ela contava quando no tempo que eles tinham tudo conhecimento se conversam né. Mas, foi pegada dessa forma, e as tradição que eles tinha e antigo, e antigamente... as tradição deles aqui era essa. (Entrevista dia 23 de maio de 2012, com o grupo de pesquisa)

A história da comunidade remanescente quilombola mexe com o que Tonico viveu durante alguns anos, ele consegui nos contar inúmeras histórias e tudo isso o deixa com um semblante de satisfação.

 O pessoal da minha família meu pai e minha mãe sempre comentava esses assuntos ai e quando eles... eles.. já existia essa comunidade de gente, mas eu mesmo eu não tivesse acesso não conheci mais, porque na época que eu me entendi já não existia mais, já não existia mais esse pessoal essa tradição já tinha saído, mas no começo o Quipá se for calcular  e se for constar a idade do Quipá, o Quipá né pra ter mais de 200 anos. Concorda comigo? Pela história e pela tradição e pelo convívio que existe o Quipá. Quando o Quipá foi fundado como Quipá, porque quando meus pais, meus avós, meus bisavós nasceram tudo aqui nessa região e o Quipá foi concretizado com esse nome, já desse período pra cá não é pra ter pra mais de 200 anos?! É!! (Entrevista dia 23 de maio de 2012, com o grupo de pesquisa)

As horas pareciam que passavam com uma enorme pressa, já que foi tudo tão rápido. A conversa foi muito agradável, os netos de Tonico também queriam participar daquele momento e acabaram interferindo, em um momento específico, a entrevista para colaborar nas informações. Umas das mais claras formas de demonstração de nostalgia seguem no momento em que recorda do antigo Quipá para o atual.

É o seguinte o que gostasse ou o que não gostasse uns tinham que aceitar porque, conforme eu já lhe falei ali no início. A terra, a propriedade não era da gente, e era assim por que muitos, que nem o véio meu pai mesmo e meu avô e meus avós nessa época já tinham falecido né?! Mas o véio meu pai, a véia minha mãe, como nasceram e se criaram tudo num ligar desse e de 50, 80, 60 anos a dona de uma propriedade dessa não podia expulsar mais ninguém, ou podia? Ai como, essa empresa que comprou, comprou em 72, final de 72, passou 73 querer que o pessoal, os morador desocupassem a área que iam cercar pra fazer plantio, uma fazenda. Era uma empresa aqui de Bonfim e como, conforme eu era na época meninão, com pouco tinha 17 pra 18 anos ia completar eu sempre vinha o caminho dos meus pais era solteiro né, e aonde eles entrasse que metesse a cabeça eu tinha que acompanhar, tinha que procurar o caminho deles, conforme a maioria de todos, de todos eles que morava lá era, parece que era num sei quantos 17 ou era pouco 17 morador. Ai a empresa doou essa terreninho aqui hoje que aqui ta né, pra gente não ficar, não ficar debaixo do pau, pra num ficar no meio... no meio da chuva né. Doou esse terreno aqui, terreno documental. Aahh lá era outra coisa, tem, tem essa área do pau de cemo, do lado desse pessoal que foi ai, do japonês, era pra ser era nosso, era pra ser era nosso. Até na época que aconteceu isso nós não tinha nem, nem nós não tinha força pra nada. Porque se existia um Sindicato, o Sindicato era... o Sindicato era começando a pouco, na época tava começando agora e não tinha força pra nada não deu força pra gente, porque se tivesse dado... (Entrevista dia 23 de maio de 2012, com o grupo de pesquisa)

As dificuldades encontradas por alguns moradores quando a empresa quis tomar suas terras, a apreensão foi deixando todos nos que estávamos naquela sala sentirmos o mesmo que o entrevistado sentiu quando aquilo aconteceu.

A empresa conversou na época com engenheiro responsável pela empresa era Abdias, Dr. Abdias, né, que a equipe hoje é, é da Casa do Agricultor e ele fez reunião com a gente ai, só que no momento como muita gente, gente lá de fora não era pra ter saído lá do nosso lugar, porque com morador com mais de 50, 60, 80, 100 anos não era pra gente ter... não era pra gente ter saído, era pra gente ter ficado lá no... porque essa terra era pra ser pra gente, pra ser da gente, o que se a gente tivesse ficado lá, tivesse ganho, nós tinha, nós tinha condição de ter hoje uma horta comunitária, até um projeto de irrigação, porque tinha mesmo, mas aqui não tempo que você ta vendo seca pra um lado, seca pra outro, só tem um lugarzinho onde a gente morar e a empresa quando, como era uma empresa de Bonfim e ela tinha fazenda e criava gado como aqui também começou a criar gado, Dr. Abdias propôs de dá essas oito hectare pra gente aqui, pros moradores, quer dizer eu não tive, eu não tenho terreno, eu tenho uma terra num lugar, no documento do véio meu pai, o véio meu pai tinha o documento e então eu fiquei com herdeiro. (Entrevista dia 23 de maio de 2012, com o grupo de pesquisa)

A família formação de sua família também fez parte da nossa conversa.

Eu casei em... Vou contar logo toda a trajetória logo completa de vez. É eu casei no mês de março de 1975. Repare em 72 ainda era solteiro até esse período que eu vim dali de Sento Sé, que eu morei em Sento Sé na época e casei em 75. A gente teve 7 filhos, hoje em dia existe 6 vivos e a minha convivência também é... a minha vida pessoal é de trabalhar, conforme a minha vida eu sempre gostei de trabalhar. Nessa empresa mesmo que desalojou a gente, eu passei pra mais de 8 anos. E com o passar do tempo ela fechou, faliu como se diz né. Ai vendeu pra UFANOU, e depois da UFANOU foi pra AGROVALE, onde ela hoje tá e a minha vida foi de sempre trabalhar de, de, trabalhar de empregado aqui ou aculá,quando eu tinha uma condição eu trabalhava na roça, como ainda hoje estou e a minha família ai... a minha esposa ta ai, pode até, daqui a pouco ela, não sei se ela ta ai, mas a minha convivência aqui é essa que vocês estão vendo. (Entrevista dia 23 de maio de 2012, com o grupo de pesquisa)

À medida que ia chegando a hora de ir embora parecia que a conversa, de tão agradável, não teria fim e como seria bom se não tivesse. Muita paciência, sem nenhum tipo de incômodo aceitou nos receber em sua casa e contar sobre sua vida, parecíamos velhos amigos depois de tudo que foi contado naquele momento. 

Os sorrisos em nossas faces ao escutar as histórias do surgimento da comunidade, nos deixaram com muita vontade de passar por outros momentos tão prazerosos quanto aquele. Nossa última entrevista foi importante não só para o grupo, mas principalmente para compreensão de outros mundos próximos a nós.


Nos despedimos com um sentimento de satisfação, todos estavam curiosos para saber dos resultados, pois gostamos muito de passar aqueles minutos sentados nos sofás escutando as histórias de vida que se entrelaçam com a da comunidade. A simpatia de Tonico foi algo que não pode deixar de ser pontuado, com o mesmo sorriso no rosto que nos recebeu foi o que nos disse um “Até logo”.



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